Grandemente afligido pelos três tipos de sofrimento (tapa-traya)
buscando intensamente libertar-se da escravidão, de modo a ficar livre
desta dolorosa existência, um discípulo, distinto pela longa prática da
sadhāna quádrupla, aproxima-se de um mestre de valor e suplica:
Discípulo: Senhor, mestre, oceano de misericórdia, entrego-me ao
senhor! Imploro-lhe que me salve!
Mestre: Salvá-lo do quê?
Discípulo: Do temor de nascimentos e mortes repetitivos.
Mestre: Saia do samsāra e não tema.
Discípulo: Sendo incapaz de atravessar o vasto oceano do samsāra,
temo os nascimentos e as mortes recorrentes. Assim, entreguei-me ao senhor. Cabe ao senhor me libertar!
Mestre: O que posso fazer por você?
Discípulo: Libertar-me. Não tenho outro refúgio. Assim como a água
é a única coisa que apaga o fogo quando a cabeça de alguém está em
chamas, também um sábio como o senhor é o único refúgio de pessoas
como eu, que ardem com os três tipos de sofrimento. O senhor está livre da
ilusão do samsāra, possui a mente calma e está profundamente mergulhado
na incomparável Beatitude de Brahman [o Absoluto ou Ser Supremo], que
não tem começo nem fim. Certamente pode salvar esta pobre criatura.
Imploro-lhe que o faça!
Mestre: E que tenho eu a ver com o seu sofrimento?
Discípulo: Santos como o senhor não suportam ver os outros
sofrerem, como um pai não suporta ver seu filho sofrer. É sem interesse o
seu amor por todos os seres. O senhor é o Guru comum a todos, o único
barco que nos leva através do oceano do samsāra.
Mestre: Então, o que o faz sofrer?
Discípulo: Tendo sido picado pela cruel serpente do doloroso
samsāra, estou confuso e sofro. Mestre, imploro-lhe que me salve deste
inferno ardente e bondosamente me diga como posso ser livre.
M: Muito bem dito, meu Filho! Você é inteligente e bem disciplinado.
Não é necessário comprovar a sua competência para ser um discípulo. Suas
palavras demonstram claramente que você está apto. Agora, olhe aqui,
minha criança!
No Supremo Ser do Ser-Consciência-Beatitude, quem pode ser o
transmigrador? Como pode o samsāra ocorrer? O que poderia tê-lo
ocasionado? Como e de onde poderia ele surgir? Sendo a Realidade não
dual, como pode você ser iludido? Com nada separado no sono profundo,
não tendo mudado de modo nenhum, e tendo dormido profunda e
pacificamente, um tolo, ao acordar, grita: “Oh, estou perdido!” Como pode
você, o Ser imutável, Supremo, sem forma e Bem-aventurado, exclamar:
“Eu reencarno – eu sofro!” e assim por diante? Em verdade, não há
nascimento, nem morte; ninguém para morrer ou nascer; nada deste tipo!
D: O que existe, então?
M: Apenas a Sabedoria Beatífica, Suprema, sem início ou fim, não
dual, jamais aprisionada, sempre livre, pura, consciente e única.
D: Se é assim, diga-me como a poderosa e maciça ilusão do samsāra
cobre-me em densas trevas, como uma massa de nuvens na estação de
chuvas.
M: O que se pode dizer do poder de Māyā (Ilusão)! Assim como
alguém confunde uma coluna com um homem, você também confunde o
Eu Real, não dual e perfeito, com um indivíduo. Na ilusão, você sofre.
Contudo, como surge a ilusão? Como um sonho que surge enquanto
dormimos, o falso samsāra aparece na ilusão da ignorância a qual, em si
mesma, é irreal. Daí o seu erro.
D: O que é a ignorância?
M: Ouça. No corpo aparece um fantasma, o “eu falso”, para
reivindicar o corpo para si, e isto se chama alma individual (jīva). A alma
individual está sempre voltada para o exterior; assume o mundo como real e
considera a si mesma a agente e experienciadora de prazeres e dores; deseja
isto e aquilo; não possui discernimento; não recorda, nem uma só vez, a sua
verdadeira natureza, nem pergunta: “Quem sou eu? O que é esse mundo?”;
apenas vaga pelo samsāra, sem conhecer a si mesmo. Esquecer o Eu Real é
a Ignorância.
D: Todos os textos sagrados (shāstras) proclamam que samsāra é
obra de Māyā, mas o senhor diz que é produto da Ignorância. Como
conciliar as duas afirmações?
M: A Ignorância tem diferentes nomes, como Māyā, Pradhāna,
Avyakta (o não manifesto), Avidyā, Natureza, Trevas e assim por diante.
Portanto, o samsāra nada mais é do que o resultado da Ignorância.
D: E como a ignorância projeta o samsāra?
M: A Ignorância possui dois aspectos: Encobrimento e Projeção
(Āvarana-Vikshepa). Destes, surge o samsāra. O encobrimento funciona de
dois modos. Num, dizemos “não existe”; no outro, “não brilha por si mesmo”.
D: Por favor, explique isso.
M: Numa conversa entre um mestre e um estudante, embora o sábio
ensine que só existe a Realidade não dual, o ignorante pensa: “O que pode
ser Realidade não dual? Não, não pode ser.” Como resultado do
encobrimento que não tem início, o ensinamento, mesmo quando
transmitido, é desconsiderado, e as ideias antigas prevalecem. Esta
indiferença é o primeiro aspecto do encobrimento.
Sri Ramanasramam in Advaita Bodha Deepika
Sem comentários:
Enviar um comentário