Estamos todos doentes.
Adictos a pensamentos, criando
histórias do nada, viciados em conceitos, criamos uma persona que é mera
ilusão, alimentamos um ego que nos quer ver isolados e constantemente
descontentes, com raiva e bastante ofendidos por tudo e por nada.
Criamos uma identidade que pensa por
alguma razão que é isolada, que existe por si, e ficamos cegos ao facto que
somos a parte de um todo e não uma parte independente do nada.
Estamos tão distraídos perdidos nessa
teia infindável de histórias criadas a partir de pensamentos que nem reparamos
na coisa que nos mantém vivos, a nossa respiração.
Quem já meditou ou praticou
mindfulness certamente teve a experiência de dirigir a atenção para a
respiração, isto significa que fora da meditação estamos tão embrenhados na
nossa versão ilusória da realidade que nos passa despercebido que respiramos o
ar que vem de fora e expiramos ar que vem de dentro para fora, logo não
existimos como seres independentes e isolados, somos parte do todo que é a
consciência.
Assim como conceptualizamos uma
árvore não o fazemos tendo em mente que a mesma sem o solo, água e luz solar
não pode ser uma árvore e não existe, mais uma prova de como estamos tão
distraídos nos nossos conceitos e julgamentos que não percebemos que nada
existe isoladamente, somos partes de um sistema bem maior.
O nosso Ser verdadeiro é vazio, não
existe, este vazio não é, no entanto, ausência de tudo, bem pelo contrário e é
um dos mais belos paradoxos, não somos nada, mas somos tudo ao mesmo tempo,
indistinguíveis do tecido da realidade, somos não dualistas, não existe
observador e objeto, sujeito e verbo, são tudo conceitos para conseguirmos
navegar no mundo, mas servem apenas para isso, não como identidade.
Somos feitos de pequenos pedaços de
ser que servem consoante o contexto em que nos encontramos no momento presente,
somos familiares no contexto de família, trabalhadores no contexto económico,
amigos no contexto social, e por aí fora, mas nada destes pequenos “ser” são
quem somos. Nem o nome, nem o que temos, nem o que fizemos, nem o dizemos, nem
as conquistas nem as derrotas.
O ego mantém-nos reféns da nossa
verdadeira natureza, e a ele agrada que estamos em constante sofrimento,
fazemos uma violência a nós mesmos que é algo inconcebível como conseguimos
sobreviver e viver desta forma.
O ego gosta mesmo de se sentir
ofendido e está sempre pronto a nos defendermos, por alguma razão temos de ter
sempre um objetivo, temos sempre algo que precisa ser solucionado, parece que
se nos permitirmos apenas a estar e a ser, sem qualquer julgamento ou sem
tentar resolver nada ficamos perdidos e sem propósito.
A vida acontece independentemente de
nós, o mundo não é e nunca será como queremos que seja, quanto mais aceitarmos
isso menos dói, andamos obcecados por atingir certos momentos altos, porque só
o fazendo parecemos realizados, se eu estiver num estado x então finalmente
serei feliz, quando recebemos um prémio por algo que nos esfolámos por fazer no
momento seguinte estamos novamente descontentes e à procura de outro momento
alto e por aí adiante, estamos adictos a momentos altos que nos trazem apenas
insatisfação, ora não é isto que alguém adicto a uma substância faz? Busca
incessante por momentos altos? Então somos mesmo isso adictos perdidos em
pensamentos.
Tentamos nos restruturar sem
perceber que é um processo e nunca haverá um patamar final de reestruturação,
somos um processo em constante evolução até à morte, à custa disso vivemos como
fossemos imortais, mas tudo é impermanente, tudo está em movimento e em
mudança, a pessoa que fui ontem não é a pessoa que sou hoje.
Estejamos apenas abertos ao que já
existe, não há necessidade de procurar nada mais, de acrescentar nada, não há
nada de transcendental que precise ser encontrado, se achamos que já estamos iluminados
é porque na realidade nem um pouco estamos.
As coisas são como são e pronto, há
pessoas que ficarão doentes outras não, há pessoa que serão ricas outras não,
há pessoas que parecem ter sorte outras não, nenhum de nós é o centro do mundo,
se o meu vizinho está doente certamente eu poderei ficar também, o mundo não se
molda a mim, o ego adora achar que não tenho sorte nenhum e isto e aquilo, é
tudo ruído mental sem qualquer utilidade.
Somos como atores de teatro com um
infinito número de papéis, criamos peças de teatro durante a vida toda, uns são
comédias outras tragédias, nem sempre a vida é confortável e indolor, mas negar
a existência da dor adormecendo com pensamentos o que é verdadeiro não nos fará
mais felizes, é tudo ilusão menos a Consciência.
Tiramos o nosso valor de conceitos,
a nossa identidade, não somos nada, mas somos tudo se nos permitirmos a viver
abertos ao que já existe.
Bruno
Carvalho
Janeiro
2025
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