quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

NÃO TEMOS TEMPO

 


Já tinha a minha certeza que isto de termos tempo era no seu cerne uma ilusão, mas a vida tem sempre o poder de nos dar novas lições sobre o assunto e nos abrir novas perspetivas.

            Se estamos à espera de um qualquer hipotético estado mental para sentirmos, para amarmos, para rirmos, para vivermos, certamente ficaremos eternamente descontentes e presos na contínua ilusão que num futuro completamente incerto e fora do nosso controlo, teremos tempo para fazer, e sentir, e ir.

            Os mil e um se, que nos surgem a toda a hora são armadilhas, mentiras que dizemos a nós próprios para nos conferir algum conforto, se eu tiver mais dinheiro então serei feliz, se eu curar todos os traumas então poderei amar finalmente, se eu for mais magro então sim posso ser aceite, se eu for mais saudável então sim serei feliz, mas a realidade e a verdade é inconsciente das nossas birras emocionais, tanto se e depois atingindo o tal objetivo que só existe na nossa cabeça, aí sim poderemos ser finalmente felizes e estaremos completos.

            Que pura burrice, que vãs fantasias que contamos a nós mesmos nas noites mal dormidas onde corremos toda a linha da nossa história até agora e nos arrependemos de não termos feito ou aquilo, sempre com a ilusão que teremos tempo para concertar e para agir de forma diferente, mas não temos.

            Tudo está fora do controlo, mas todos juramos a pés juntos que temos todo o controlo do mundo sobre a nossas mãos, podemos escolher o destino quando ele já está traçado e foi traçado durante todos os momentos até este presente.

            Dou por mim a pensar que poderia ter dito aquilo que sentia, em vários momentos, mas não disse porque pensava que precisava de estar num certo patamar emocional e físico para sentir, o medo de sentir sempre foi maior do que o medo de avançar, que louco fui, mas quando a doçura do sentimento de impermanência que paira sobre os meus ombros dá sinal, aí, aí não há mais tempo a perder.

            Sejamos honestos connosco mesmos, mesmo que não o sejamos com os outros, ser fiel ao que sentimos é o único compromisso que devemos ter, e abafarmos a vã vaidade da aura do ego que nos cega, certamente podemos dizer o que honestamente sentimos, por alguém, por uma situação, por um presente que está ao nosso alcance, mas que varremos para debaixo do tapete do futuro.

            Das minhas muitas lições de vida, mais uma vez depois de mias uma volta em redor do sol, mas uma lição, e esta sei eu que todas as vãs tentativas para acreditar que tinha tempo se varreram, e o que fica? Fica uma sensação de liberdade de poder dizer finalmente e honestamente para mim o que sinto, e não me interessa bem se o que sinto é de alguma forma retribuído ou não, interessa é eu viver agora, enquanto a tempestade não se torna tão difícil de navegar que me faça perder a felicidade de pode sentir sem nada que me adormeça tudo de bom e tudo de mau.

            Eu tenho em mim a honestidade e a clareza de saber o que sinto, por isso que eu ame sem medo, pois o medo foi o que me colocou aqui à beira deste precipício, não que vá saltar, mas não fugirei da brisa que me banha o rosto e que me varre as lágrimas de contentamento.

            Podemos esconder-nos e ter mil uma racionalização ou podemos deixar ir tudo, desapego total, morte do ego, e deixar fluir, deixar que o amor flua conforme é suposto fluir, livremente monte abaixo como um riacho que alegremente percorre a montanha rumo ao mar.

            Se formos honestos saberemos que nunca estaremos completamente reestruturados, pois atingimos um nível para depois perceber que afinal há mais dez acima e continuaremos descontentes.

            A felicidade é o processo e a viagem, nunca será o objetivo ou um ponto alto, nunca estará no fim da estrada, está no caminho, está nos passos que damos e nas pessoas que nos rodeiam, a solidão parece inebriante às vezes, mas tudo que é exagerado é mau, e por vezes escolher estar só é apenas mais uma fuga à realidade, como qualquer outra coisa banal que nos faz fugir.

            Não há tempo, não temos tempo.

 

Bruno Carvalho

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