Na intimidade do meu ser rejeitei o primeiro sangue, a primeira luz da aurora, mergulhei a cabeça de novo na almofada e na serenidade cálida do sono.
Enredado nos sonhos obscuros da desesperança,
medo e orgulho vãos, continuei alheio ao passar dos minutos, certo da incerteza
de um novo dia, optei pela escuridão para destruir a noite.
Enquanto vegetava no limbo verguei-me à
quebra de confiança, o sangue derramado sobre a terra ocultava desgraças,
presságios de fogo escritos nos pergaminhos do tempo.
Gaia permanecia ofegante nos meus braços
fartos, aquele amor inquieto espalhava-se pelas estrelas, aquele desejo eterno
navegava em sonhos lunares, flores envenenadas espalhavam pétalas murchas no
marmóreo chão daquele lugar perdido.
Agora
as vozes furiosas das minhas memórias obscuras ouviam-se na serenidade noturna,
rasgavam o silêncio, o sono perfeito dos justos, a humanidade entorpecida por
verdades omissas, a grande mentira adocicada pela loucura do poder.
A
lava engolia o vale, o cheiro a enxofre ardia-me nos pulmões, do solo brotavam
visões atrozes, erros enterrados em milénios de descuidados atos, tudo aquilo
demonstrava-me que a morte era o menor dos castigos para quem se julga acima da
incorruptível fraqueza humana, a egoísta arrogância da humanidade, o erro de me
classificar como ser superior, essa superioridade, porém, era a maior das
minhas fraquezas.
Gaia
contorceu-se debaixo dos meus braços abertos, vomitou frondosas paisagens, um
mar verde, a terra explodia em suaves aromas, amores perdidos, agora
reencontrados, nos olhos do lobo refletia-se a perdição.
Na segurança do meu efémero limbo vi a
noite fragmentar-se em pedaços luminosos, vi a condição humana ser arrastada
pela justiça selvagem da natureza.
Acordei,
despojado da minha impunidade, ciente que o primeiro sangue derramado fora
vingado e que a primeira luz havia subjugado a escuridão do orgulho humano.
Amarrado à árvore da vida derramei sementes
no solo recém-criado, um novo clamor nascido do estertor da minha guerra
interna.
O novo pacificador havia nascido.
Bruno
Carvalho
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