Há uma inolvidável sensação de liberdade quando percebemos que não temos uma inerente existência, que não somos o centro da experiência, ausentes de ego, vivemos de mãos dadas com o sentimento de impermanência e todas as expetativas se dissolvem na realidade que apesar de não ser absoluta é com certeza real.
Não ter nada a que se apegar dá a incrível
liberdade de poder adormecer com o conforto que se não acordarmos não há problema
algum, a nossa existência puramente relacional dá-nos o poder de ser
invisíveis, de não querer ser nada, dá espaço ao vazio e às infinitas
possibilidades.
E assim não tendo nada, mas ao mesmo
tendo tudo, sem as correntes do ego que sussurram incessantemente ao ouvido,
dá-se um passo de cada vez no presente, anulam-se todas as ilusões do futuro e
memórias do passado, quanto mais insignificantes formos mais livres somos.
O meu ego tende a martirizar-me com
a ideia que estou só neste mundo e que nada valho, mas se o ignorar e encarar o
que é real, percebo que não valer nada é exatamente o que sou, não há nenhum
propósito glorioso a perseguir, além das centenas de identificações que fabrico
gratuitamente na minha mente não sou nada palpável, dissolvo-me na experiência,
o mundo continuará a rodar comigo ou sem mim nele.
Dá-se mais valor ao que interessa, à
gratidão, ao amor, à conexão, sabendo que podemos de o momento para o outro
partir rumo ao pó do qual nascemos.
Depois disso seremos apenas mais uma
memória, não somos importantes a vida continua.
A nossa cultura incute-nos desde
novos que nascemos para algo, um propósito maior, e isso apenas traz sofrimento
e insatisfação. Passamos a vida nessa demanda automaticamente infelizes quando
achamos que encontrámos esse tal desígnio divino. Mas apenas tivemos sorte, de
nascermos da fecundação de um espermatozoide de um óvulo. Somos produto de uma
interação da qual não tivemos palavra a dizer, depois deram-nos um nome e aí
começou a história infinita da identificação, sou o meu nome, a minha terra o
meu país, o meu trabalho ou a falta dele, o que tenho vestido, na carteira ou
no banco, o mil uns objetos que não trazem nada de valor.
Adormeço tranquilo na possibilidade
de não acordar amanhã, que maior liberdade pode haver?
Bruno Carvalho
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