quarta-feira, 7 de maio de 2025

MOMENTO

Nem a sombra da manhã fugindo

Nem o céu que derrama lágrimas angelicais

Nem a tarde que se faz fogo, furiosamente rugindo

Nem a noite que encerra medos irracionais.

 

Nada nem ninguém pode apagar a tua luz

Que brilha, explodindo num infinito mar de cores

E que ao meu peito tanto contentamento conduz

Como um jardim inundado de queridas flores.

 

Sorris e o mundo abre-se a mil maravilhas

Imagens de beleza e candura incomparáveis

Que são nossas, tuas e minhas

Trovas e pinturas para sempre incomparáveis.

 

Não vertem tristezas desta minha alma

Jorram sonhos, desejos, canções largadas ao vento

E por entre abraços carinho e beijos

Encontro o caminho rumo a ti, respondo ao chamamento.

 

E quero amar-te assim todos os dias do resto da minha vida

Sem receio pelas incertezas que traz o tempo

E quero ver-te assim quieta nos meus braços, de face erguida

Vou guardar a imortalidade de tão doce momento.


Bruno Carvalho

segunda-feira, 14 de abril de 2025

DA SOBREPOSIÇÃO



Grandemente afligido pelos três tipos de sofrimento (tapa-traya)

buscando intensamente libertar-se da escravidão, de modo a ficar livre

desta dolorosa existência, um discípulo, distinto pela longa prática da

sadhāna quádrupla, aproxima-se de um mestre de valor e suplica:


Discípulo: Senhor, mestre, oceano de misericórdia, entrego-me ao

senhor! Imploro-lhe que me salve!

Mestre: Salvá-lo do quê?

Discípulo: Do temor de nascimentos e mortes repetitivos.

Mestre: Saia do samsāra e não tema.

Discípulo: Sendo incapaz de atravessar o vasto oceano do samsāra,

temo os nascimentos e as mortes recorrentes. Assim, entreguei-me ao senhor. Cabe ao senhor me libertar!

Mestre: O que posso fazer por você?

Discípulo: Libertar-me. Não tenho outro refúgio. Assim como a água 

é a única coisa que apaga o fogo quando a cabeça de alguém está em

chamas, também um sábio como o senhor é o único refúgio de pessoas

como eu, que ardem com os três tipos de sofrimento. O senhor está livre da

ilusão do samsāra, possui a mente calma e está profundamente mergulhado

na incomparável Beatitude de Brahman [o Absoluto ou Ser Supremo], que

não tem começo nem fim. Certamente pode salvar esta pobre criatura.

Imploro-lhe que o faça!

Mestre: E que tenho eu a ver com o seu sofrimento?

Discípulo: Santos como o senhor não suportam ver os outros

sofrerem, como um pai não suporta ver seu filho sofrer. É sem interesse o

seu amor por todos os seres. O senhor é o Guru comum a todos, o único

barco que nos leva através do oceano do samsāra.

Mestre: Então, o que o faz sofrer?

Discípulo: Tendo sido picado pela cruel serpente do doloroso

samsāra, estou confuso e sofro. Mestre, imploro-lhe que me salve deste

inferno ardente e bondosamente me diga como posso ser livre.

M: Muito bem dito, meu Filho! Você é inteligente e bem disciplinado.

Não é necessário comprovar a sua competência para ser um discípulo. Suas

palavras demonstram claramente que você está apto. Agora, olhe aqui,

minha criança!

No Supremo Ser do Ser-Consciência-Beatitude, quem pode ser o

transmigrador? Como pode o samsāra ocorrer? O que poderia tê-lo

ocasionado? Como e de onde poderia ele surgir? Sendo a Realidade não

dual, como pode você ser iludido? Com nada separado no sono profundo,

não tendo mudado de modo nenhum, e tendo dormido profunda e

pacificamente, um tolo, ao acordar, grita: “Oh, estou perdido!” Como pode

você, o Ser imutável, Supremo, sem forma e Bem-aventurado, exclamar:

“Eu reencarno – eu sofro!” e assim por diante? Em verdade, não há

nascimento, nem morte; ninguém para morrer ou nascer; nada deste tipo!

D: O que existe, então?

M: Apenas a Sabedoria Beatífica, Suprema, sem início ou fim, não

dual, jamais aprisionada, sempre livre, pura, consciente e única.

D: Se é assim, diga-me como a poderosa e maciça ilusão do samsāra

cobre-me em densas trevas, como uma massa de nuvens na estação de

chuvas.

M: O que se pode dizer do poder de Māyā (Ilusão)! Assim como

alguém confunde uma coluna com um homem, você também confunde o

Eu Real, não dual e perfeito, com um indivíduo. Na ilusão, você sofre.

Contudo, como surge a ilusão? Como um sonho que surge enquanto

dormimos, o falso samsāra aparece na ilusão da ignorância a qual, em si

mesma, é irreal. Daí o seu erro.

D: O que é a ignorância?

M: Ouça. No corpo aparece um fantasma, o “eu falso”, para

reivindicar o corpo para si, e isto se chama alma individual (jīva). A alma

individual está sempre voltada para o exterior; assume o mundo como real e

considera a si mesma a agente e experienciadora de prazeres e dores; deseja

isto e aquilo; não possui discernimento; não recorda, nem uma só vez, a sua

verdadeira natureza, nem pergunta: “Quem sou eu? O que é esse mundo?”;

apenas vaga pelo samsāra, sem conhecer a si mesmo. Esquecer o Eu Real é

a Ignorância.

D: Todos os textos sagrados (shāstras) proclamam que samsāra é

obra de Māyā, mas o senhor diz que é produto da Ignorância. Como

conciliar as duas afirmações?

M: A Ignorância tem diferentes nomes, como Māyā, Pradhāna,

Avyakta (o não manifesto), Avidyā, Natureza, Trevas e assim por diante.

Portanto, o samsāra nada mais é do que o resultado da Ignorância.

D: E como a ignorância projeta o samsāra?

M: A Ignorância possui dois aspectos: Encobrimento e Projeção

(Āvarana-Vikshepa). Destes, surge o samsāra. O encobrimento funciona de

dois modos. Num, dizemos “não existe”; no outro, “não brilha por si mesmo”.

D: Por favor, explique isso.

M: Numa conversa entre um mestre e um estudante, embora o sábio

ensine que só existe a Realidade não dual, o ignorante pensa: “O que pode

ser Realidade não dual? Não, não pode ser.” Como resultado do

encobrimento que não tem início, o ensinamento, mesmo quando

transmitido, é desconsiderado, e as ideias antigas prevalecem. Esta

indiferença é o primeiro aspecto do encobrimento.


Sri Ramanasramam in Advaita Bodha Deepika

domingo, 30 de março de 2025

NENHUMA PALAVRA



Peguei no dicionário para procurar palavras para te descrever

Mas nenhuma infelizmente te descreve exatamente

Por isso fechei os olhos e procurei no meu arquivo de memórias

Através de sentimentos consegui quase te descrever.

 

Mas no processo envergonhei o Sol e a Lua

A Maresia, o Céu Azul, a floresta verdejante e o riacho murmurante

E todos eles prestaram uma vénia à tua beleza

Ao teu sorriso, a cada curva do teu corpo, ao teu olhar feito de pérolas.

 

E com isto perdi-me em mim para te encontrar

Todos os afetos, todas as palavras que mais ninguém poderá descrever

A poesia fluiu e escrevi, escrevi até os dedos me doerem

Porque para ti um milhão de palavras não chega

Desisti…

Um simples olhar escreveu este poema em mim

E deixei-me ir no embalo da serenidade.

 

Mesmo que a distância nos queira separar

Será impotente para nos impedir

Porque o amor é esperança

E nada mata a esperança.

 

Bruno Carvalho

domingo, 16 de março de 2025

DESTINO



             Sou um fantasma deste tempo, o único tempo que existe. Caminhando pelo mundo pelo caminho menos trilhado, observo todos que passam por mim, insensíveis à minha tristeza seguem mudos pelas ruas meio desertas, desnudadas de vãos contentamentos, despejadas de cor e alegria.

            A invisibilidade dá-me a pureza de estar firme e seguro do meu caminho, a solidão é como um cobertor de neblina que me deixa atento ao verdadeiro caminho sem distrações.

            Por dentro o trilho está bem traçado, cada dia dou mais um passo em direção a mim mesmo, mas o trilho externo e as forças que nele são exercidas requerem cuidado e discrição, não posso dar os mesmos passos errados que me levem a novas quedas, a próxima pode ser a última, não me posso dar ao luxo de escorregar de novo e cair no abismo do desespero.

            A energia que me move advém de te ter reencontrado no tempo e a cada vislumbre do teu olhar e do teu sorriso o meu coração dispara e a minha energia explode criando supernovas no meu universo interior.

            És a guia, a Força, eu sou o Louco Eremita perdido entre dois mundos, temo que não tenho a coragem necessária para poder ser mais do que sou, para romper esta barreira autoimposta de insignificância.

            Talvez seja isso, talvez deseje ser ninguém ou nada para alguém, talvez a voz na minha cabeça tenha razão e eu não mereça mesmo muito mais do que aquilo que sempre tive, vergonha, medo e desadequação, timidez, introversão, imbecilidade. Talvez sim, a minha voz interior saiba mais do que a credibilidade que lhe dou, talvez as tentativas de fugir ao turbilhão sejam apenas as correntes a serem aliviadas, mas nunca cortadas.

            Como um fantasma, um espírito moribundo perdido num tempo infinito, desencontrado do calor da afeição e da intimidade, do carinho e da invencibilidade, sou mais uma ilusão criada pela mente cruel da desesperança, talvez seja isso, um todo cheio de nada.

            Sinto-me só e não nego que a minha fragilidade seja tipo cristal e que se parte todos os dias, num ciclo eterno de plena inconsciente sigo invisível ao amor, nada me consegue tocar, ninguém sequer sabe que existo, apenas um fantasma a vaguear, uma carcaça fantasma de um navio que flutua à deriva sem cais.

            Quem me dera ser tudo mesmo não sendo nada, para ti, por ti, para mim, a alma que em mim reside reconhece a alma que em ti vive, não largo a corda que me sustenta a este sentimento, entre um último adeus e uma promessa de futuro feliz caminho inseguro tipo criança imberbe.

            Caio num sono de morte onde apenas o teu sorriso consegue iluminar o caminho e por entre as cartas do destino encontro as mil e uma linhas do que pode acontecer, um mar infinito de possibilidades prontas a serem reveladas pela intuição do Mago e a perícia espiritual de um Sacerdotisa.

            A beleza do teu rosto é o espelho da infinita libertação, agarro.me a essa memória sedento de ser maior que a minha dor e ser mais corajoso do que a velha cápsula que sustenta a minha carne.

            Um fantasma que vela a tua noite, beijando-te ao de leve nos lábios e tocando carinhosamente na tua face.

            Consegues sentir-me?

 Bruno Carvalho

Dez 2024

quarta-feira, 12 de março de 2025

GAIA

             


       Na intimidade do meu ser rejeitei o primeiro sangue, a primeira luz da aurora, mergulhei a cabeça de novo na almofada e na serenidade cálida do sono.

Enredado nos sonhos obscuros da desesperança, medo e orgulho vãos, continuei alheio ao passar dos minutos, certo da incerteza de um novo dia, optei pela escuridão para destruir a noite.

        Enquanto vegetava no limbo verguei-me à quebra de confiança, o sangue derramado sobre a terra ocultava desgraças, presságios de fogo escritos nos pergaminhos do tempo.

         Gaia permanecia ofegante nos meus braços fartos, aquele amor inquieto espalhava-se pelas estrelas, aquele desejo eterno navegava em sonhos lunares, flores envenenadas espalhavam pétalas murchas no marmóreo chão daquele lugar perdido.

         Agora as vozes furiosas das minhas memórias obscuras ouviam-se na serenidade noturna, rasgavam o silêncio, o sono perfeito dos justos, a humanidade entorpecida por verdades omissas, a grande mentira adocicada pela loucura do poder.

         A lava engolia o vale, o cheiro a enxofre ardia-me nos pulmões, do solo brotavam visões atrozes, erros enterrados em milénios de descuidados atos, tudo aquilo demonstrava-me que a morte era o menor dos castigos para quem se julga acima da incorruptível fraqueza humana, a egoísta arrogância da humanidade, o erro de me classificar como ser superior, essa superioridade, porém, era a maior das minhas fraquezas.

         Gaia contorceu-se debaixo dos meus braços abertos, vomitou frondosas paisagens, um mar verde, a terra explodia em suaves aromas, amores perdidos, agora reencontrados, nos olhos do lobo refletia-se a perdição.

         Na segurança do meu efémero limbo vi a noite fragmentar-se em pedaços luminosos, vi a condição humana ser arrastada pela justiça selvagem da natureza.

         Acordei, despojado da minha impunidade, ciente que o primeiro sangue derramado fora vingado e que a primeira luz havia subjugado a escuridão do orgulho humano.

         Amarrado à árvore da vida derramei sementes no solo recém-criado, um novo clamor nascido do estertor da minha guerra interna.

        O novo pacificador havia nascido.

 

Bruno Carvalho

MOMENTO

Nem a sombra da manhã fugindo Nem o céu que derrama lágrimas angelicais Nem a tarde que se faz fogo, furiosamente rugindo Nem a noite ...

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