domingo, 30 de março de 2025

NENHUMA PALAVRA



Peguei no dicionário para procurar palavras para te descrever

Mas nenhuma infelizmente te descreve exatamente

Por isso fechei os olhos e procurei no meu arquivo de memórias

Através de sentimentos consegui quase te descrever.

 

Mas no processo envergonhei o Sol e a Lua

A Maresia, o Céu Azul, a floresta verdejante e o riacho murmurante

E todos eles prestaram uma vénia à tua beleza

Ao teu sorriso, a cada curva do teu corpo, ao teu olhar feito de pérolas.

 

E com isto perdi-me em mim para te encontrar

Todos os afetos, todas as palavras que mais ninguém poderá descrever

A poesia fluiu e escrevi, escrevi até os dedos me doerem

Porque para ti um milhão de palavras não chega

Desisti…

Um simples olhar escreveu este poema em mim

E deixei-me ir no embalo da serenidade.

 

Mesmo que a distância nos queira separar

Será impotente para nos impedir

Porque o amor é esperança

E nada mata a esperança.

 

Bruno Carvalho

domingo, 16 de março de 2025

DESTINO



             Sou um fantasma deste tempo, o único tempo que existe. Caminhando pelo mundo pelo caminho menos trilhado, observo todos que passam por mim, insensíveis à minha tristeza seguem mudos pelas ruas meio desertas, desnudadas de vãos contentamentos, despejadas de cor e alegria.

            A invisibilidade dá-me a pureza de estar firme e seguro do meu caminho, a solidão é como um cobertor de neblina que me deixa atento ao verdadeiro caminho sem distrações.

            Por dentro o trilho está bem traçado, cada dia dou mais um passo em direção a mim mesmo, mas o trilho externo e as forças que nele são exercidas requerem cuidado e discrição, não posso dar os mesmos passos errados que me levem a novas quedas, a próxima pode ser a última, não me posso dar ao luxo de escorregar de novo e cair no abismo do desespero.

            A energia que me move advém de te ter reencontrado no tempo e a cada vislumbre do teu olhar e do teu sorriso o meu coração dispara e a minha energia explode criando supernovas no meu universo interior.

            És a guia, a Força, eu sou o Louco Eremita perdido entre dois mundos, temo que não tenho a coragem necessária para poder ser mais do que sou, para romper esta barreira autoimposta de insignificância.

            Talvez seja isso, talvez deseje ser ninguém ou nada para alguém, talvez a voz na minha cabeça tenha razão e eu não mereça mesmo muito mais do que aquilo que sempre tive, vergonha, medo e desadequação, timidez, introversão, imbecilidade. Talvez sim, a minha voz interior saiba mais do que a credibilidade que lhe dou, talvez as tentativas de fugir ao turbilhão sejam apenas as correntes a serem aliviadas, mas nunca cortadas.

            Como um fantasma, um espírito moribundo perdido num tempo infinito, desencontrado do calor da afeição e da intimidade, do carinho e da invencibilidade, sou mais uma ilusão criada pela mente cruel da desesperança, talvez seja isso, um todo cheio de nada.

            Sinto-me só e não nego que a minha fragilidade seja tipo cristal e que se parte todos os dias, num ciclo eterno de plena inconsciente sigo invisível ao amor, nada me consegue tocar, ninguém sequer sabe que existo, apenas um fantasma a vaguear, uma carcaça fantasma de um navio que flutua à deriva sem cais.

            Quem me dera ser tudo mesmo não sendo nada, para ti, por ti, para mim, a alma que em mim reside reconhece a alma que em ti vive, não largo a corda que me sustenta a este sentimento, entre um último adeus e uma promessa de futuro feliz caminho inseguro tipo criança imberbe.

            Caio num sono de morte onde apenas o teu sorriso consegue iluminar o caminho e por entre as cartas do destino encontro as mil e uma linhas do que pode acontecer, um mar infinito de possibilidades prontas a serem reveladas pela intuição do Mago e a perícia espiritual de um Sacerdotisa.

            A beleza do teu rosto é o espelho da infinita libertação, agarro.me a essa memória sedento de ser maior que a minha dor e ser mais corajoso do que a velha cápsula que sustenta a minha carne.

            Um fantasma que vela a tua noite, beijando-te ao de leve nos lábios e tocando carinhosamente na tua face.

            Consegues sentir-me?

 Bruno Carvalho

Dez 2024

quarta-feira, 12 de março de 2025

GAIA

             


       Na intimidade do meu ser rejeitei o primeiro sangue, a primeira luz da aurora, mergulhei a cabeça de novo na almofada e na serenidade cálida do sono.

Enredado nos sonhos obscuros da desesperança, medo e orgulho vãos, continuei alheio ao passar dos minutos, certo da incerteza de um novo dia, optei pela escuridão para destruir a noite.

        Enquanto vegetava no limbo verguei-me à quebra de confiança, o sangue derramado sobre a terra ocultava desgraças, presságios de fogo escritos nos pergaminhos do tempo.

         Gaia permanecia ofegante nos meus braços fartos, aquele amor inquieto espalhava-se pelas estrelas, aquele desejo eterno navegava em sonhos lunares, flores envenenadas espalhavam pétalas murchas no marmóreo chão daquele lugar perdido.

         Agora as vozes furiosas das minhas memórias obscuras ouviam-se na serenidade noturna, rasgavam o silêncio, o sono perfeito dos justos, a humanidade entorpecida por verdades omissas, a grande mentira adocicada pela loucura do poder.

         A lava engolia o vale, o cheiro a enxofre ardia-me nos pulmões, do solo brotavam visões atrozes, erros enterrados em milénios de descuidados atos, tudo aquilo demonstrava-me que a morte era o menor dos castigos para quem se julga acima da incorruptível fraqueza humana, a egoísta arrogância da humanidade, o erro de me classificar como ser superior, essa superioridade, porém, era a maior das minhas fraquezas.

         Gaia contorceu-se debaixo dos meus braços abertos, vomitou frondosas paisagens, um mar verde, a terra explodia em suaves aromas, amores perdidos, agora reencontrados, nos olhos do lobo refletia-se a perdição.

         Na segurança do meu efémero limbo vi a noite fragmentar-se em pedaços luminosos, vi a condição humana ser arrastada pela justiça selvagem da natureza.

         Acordei, despojado da minha impunidade, ciente que o primeiro sangue derramado fora vingado e que a primeira luz havia subjugado a escuridão do orgulho humano.

         Amarrado à árvore da vida derramei sementes no solo recém-criado, um novo clamor nascido do estertor da minha guerra interna.

        O novo pacificador havia nascido.

 

Bruno Carvalho

domingo, 9 de março de 2025

NADA DE NADA



         Há uma inolvidável sensação de liberdade quando percebemos que não temos uma inerente existência, que não somos o centro da experiência, ausentes de ego, vivemos de mãos dadas com o sentimento de impermanência e todas as expetativas se dissolvem na realidade que apesar de não ser absoluta é com certeza real.

            Não ter nada a que se apegar dá a incrível liberdade de poder adormecer com o conforto que se não acordarmos não há problema algum, a nossa existência puramente relacional dá-nos o poder de ser invisíveis, de não querer ser nada, dá espaço ao vazio e às infinitas possibilidades.

            E assim não tendo nada, mas ao mesmo tendo tudo, sem as correntes do ego que sussurram incessantemente ao ouvido, dá-se um passo de cada vez no presente, anulam-se todas as ilusões do futuro e memórias do passado, quanto mais insignificantes formos mais livres somos.

            O meu ego tende a martirizar-me com a ideia que estou só neste mundo e que nada valho, mas se o ignorar e encarar o que é real, percebo que não valer nada é exatamente o que sou, não há nenhum propósito glorioso a perseguir, além das centenas de identificações que fabrico gratuitamente na minha mente não sou nada palpável, dissolvo-me na experiência, o mundo continuará a rodar comigo ou sem mim nele.

            Dá-se mais valor ao que interessa, à gratidão, ao amor, à conexão, sabendo que podemos de o momento para o outro partir rumo ao pó do qual nascemos.

            Depois disso seremos apenas mais uma memória, não somos importantes a vida continua.

            A nossa cultura incute-nos desde novos que nascemos para algo, um propósito maior, e isso apenas traz sofrimento e insatisfação. Passamos a vida nessa demanda automaticamente infelizes quando achamos que encontrámos esse tal desígnio divino. Mas apenas tivemos sorte, de nascermos da fecundação de um espermatozoide de um óvulo. Somos produto de uma interação da qual não tivemos palavra a dizer, depois deram-nos um nome e aí começou a história infinita da identificação, sou o meu nome, a minha terra o meu país, o meu trabalho ou a falta dele, o que tenho vestido, na carteira ou no banco, o mil uns objetos que não trazem nada de valor.

            Adormeço tranquilo na possibilidade de não acordar amanhã, que maior liberdade pode haver?

 

Bruno Carvalho

A FORÇA

             


                Encontrei-te algures no silêncio, na escuridão raiada por luz da passagem do tempo, onde as almas moram e os vivos não contam para a história.

            Amo-te no silêncio, no contentamento do dia a dia, nas pequenas coisas, nos gestos lentos e gentis, no voar da garça ou no aroma das flores, amo-te onde mais ninguém sabe que existes, dentro de um coração que bate ao ritmo da orquestra sincronizada da escala de notas do Universo.

            Tão pouco é necessário para te sentir mesmo não te vendo, vivo de coração aberto e honestidade vestida como uniforme de honra, de espada na mão luto em mim pela alma que reconhece a alma em ti.

            A tua beleza reside além do que é visível, o teu olhar fixo e livre na imensidão das estrelas, um mar de serenidade desagua nas tuas lágrimas, o mundo quere-te destruir, mas és mais forte que toda a humanidade junta.

            E eu escrevo, dia e noite, tentando descrever o que sinto, sem, no entanto, conseguir apanhar sequer um grão de areia do que significas e de quem és, escrevo com a esperança que os meus pensamentos de alguma forma te cheguem, escrevo porque é o que sou, poeta vagabundo em busca de sentido onde não existe nenhum.

            O teu olhar firme e sorriso esplendoroso, faz-me acreditar que em ti conténs toda a doçura do mundo, alguém tão doce numa existência tão amarga só pode ser de origem divina, sustendo a minha fé, és a deusa dos meus versos, no teu regaço pouso a cabeça e adormeço feliz, esperançoso que a noite te traga nos seus sonhos.

            És altiva, poderosa, mas ao mesmo tempo gentil e vulnerável, és um farol que ilumina a escuridão mais opressora, que guia o meu navio fantasma a bom porto, és tanto em mim que dou por mim a sorrir sem jeito como criança inocente na plenitude da sua felicidade.

            És a Força, a parede firme que ampara a minha fragilidade, eu respiro e suspiro, enviando beijos antes de adormecer, para poder amparar o teu sono.

            És a lua a mesma que ilumina a minha noite escura, és o sol que beija a minha pele, o vento que murmura nos meus ouvidos, a água que sacia os meus lábios, o perfume que embriaga os meus sentidos, és tudo que vejo e tudo que ouço, onde vou, tu lá estás, de braços abertos e sorriso sincero.

            Eu tento ser tudo mesmo sendo nada, tento ser mais que um reflexo opaco no espelho, estendo a mão rumo à tua, na esperança que me salves deste mundo incerto.

            Abraço-te todos os dias no pensamento, na esperança que sintas, pois os meus braços foram feitos para abraçar a beleza e a doçura do teu corpo, numa fusão imortal e infinita que nem o tempo rompe.

            Consegues sentir-me?

 

Bruno Carvalho

sexta-feira, 7 de março de 2025

A Espacialidade de Vajrasattva (Dorje Sempa Namkha Che)



"Todas as circunstâncias possíveis e todos os seres nelas  

Surgem não-dualmente do Continuum Prístino. 

Na pureza da Presença Divina, 

Não existem distinções como “masculino” ou “feminino”.

No domínio da Realidade, não se fala  

Em chegar a algum lugar por meio do esforço, 


Mas alguns dizem que, usando os poderes do som,

Pode-se gerar a beatitude de uma ilusão mágica. 

A verdadeira Condição

Não pode ser apreendida conceitualmente, 

Mas aparece de formas variadas,

De acordo com a forma como a encaramos. 

Lutar pela beatitude, desejando que ela se manifeste,

Só gera obscuridade e confusão. 

Meditar nas aparências de uma deidade 

É como meditar nos reflexos da Lua na água. 

Embora tais meditadores se esforcem 

Para serem imaculados e desapegados, 

Suas práticas são como uma brincadeira infantil.

Pode-se até mesmo identificar-se plenamente 

Com uma deidade irada em uma mandala de atributos irados,

E manifestar inequivocamente a sílaba-semente,  

E ainda assim não experimentar a talidade

Na qual os conceitos desaparecem. 

Pode-se cortar uma palmeira ou queimar uma semente 

Para evitar que se proliferem, 

E alguns professores até defendem essa abordagem destrutiva

Para alunos que desejam superar seus problemas emocionais. 

Além disso, existem centenas e até milhares de métodos 

De prática, e todos florescem à sua própria maneira, 

Mas como a consciência prístina está além das características, 

Ela não é revelada por práticas como essas. 

Abençoados são os iogues

Que permanecem continuamente na Verdadeira Condição,  

Não discriminando entre si e o outro.


Desfrutam da ilusão mágica, enquanto permanecem na

Grande Perfeição. 

Todos os fenômenos são perfeitos e completos, nada excluído.

A verdadeira condição é igualdade, além da mudança, 

Espacialidade sem limites,

Além do surgimento dependente, além das causas e condições. 

Somente a Sabedoria Incomparável 

Conhece o beatífico continuum da auto-perfeição, 

O domínio do que é definitivamente real,

Que não surge de causas e condições estranhas. 

Essa clareza é fácil, tão fácil que na verdade parece difícil.

Embora oniabrangente, o continuum é invisível. 

Não pode ser apontado dizendo: “É isso”,

Nem mesmo pelo próprio Vajrasattva. 

Essa incrível e maravilhosa exibição de energia,

Espaçosa por natureza, transcende a ação. 

De dentro de nosso profundo desconhecer,

Além do pensamento e do pensar, 

Esses potenciais dinâmicos surgem repentinamente."


GARAB DORJE - "A Espacialidade de

Vajrasattva (Dorje Sempa Namkha Che)"

ELETRICIDADE



         Preciso que esta dor e esta ânsia desapareçam para darem lugar ao meu querer, mas vejo-o fugir. Foge de mim como a noite foge do dia. Foge porque esconde um mistério bem guardado.

         Custa enfrentá-lo tão forte ele é, e altera o meu coração por querer ser maior do aquilo que me rodeia.

          Mas serei firme como uma rocha no meio da tempestade, resistindo e lutando. Vejo os meus anseios ao longe, distantes…

 

          Para além do ruído, há um murmúrio, o meu lamento, o meu sentimento que explode com a chegada da manhã. Quando me apercebo dos meus sentimentos, acho que nada poderia ser diferente; continuarão a ser mais fortes do que eu!

         Por eles me dobro como os sinos em dias de glória.

Temes o amor?

Temes que ele seja demasiado forte?

 

         E assim fico, em silêncio, à espera… De quê? Não sei…

 A razão turva o sentir e fica-se cativo duma promessa.

Não desistirei, porque descobri o que quero. Ficarei à espera, fiel e silencioso.

 

         Ouço as palavras, a melodia, o som que me faz voar e deixo-me levar…

 

Bruno Carvalho

quinta-feira, 6 de março de 2025

PRESENTE

                 


 

                A cada dia que passa parece que me distancio mais do mundo. Cada vez mais sinto-me fora dele e dentro do meu pequeno jardim interior.

                 Cansam-me as coisas banais.

            Enfio a cabeça num livro e adormeço por entre as palavras, embalado pelo virar das páginas, pairo tranquilo nas suas histórias, liberto a imaginação e escolho ser eu próprio, imperfeito na minha perfeita existência.

            Não banalizo o amor, é-me querido, por isso guardo-o sagradamente em mim, na eterna procura pela vibração que é sintonia com a minha energia, sonho, imagino ter-te (ser sem nome) nos meus braços, imergindo do mundo, imagino a partilha plena e divina, rica de experiências.

            Consigo finalmente depois de muito tempo reconhecer-me no reflexo do espelho, o tanto que aprendi é tão pouco, por isso nada sei, mas sei que busco a pureza da alma e a liberdade do espírito.

            Hoje escolho como me apresento no mundo e ao mundo, livre das amarras de pensamentos limitantes que me fizeram engolir claro que com a minha autorização, sei o quanto é da minha responsabilidade, sei que o que é meu e o que eu deixei entrar. Não sou melhor nem pior, porém não me culpo por estar no plano de consciência em que estou, todos somos livres do alcançar, basta começar a olhar para o nosso jardim em vez de invejar o jardim do vizinho, autoconsciência e autorreflexão, admitir a derrota para por fim vencer.

            O vento na minha fronte, o calor na minha pele, o solo sob os meus pés e a água nas minhas mãos, são as âncoras para o meu espírito, os sete centros do meu corpo impermanente, todos abertos à energia universal. Assim nas proporções divinas dos elementos navego num mundo que se esqueceu de quem é e se perdeu num mar de matéria.

            Louvo a minha impermanência, faz-me ser uno com o momento presente, neste momento onde preciso estar e onde só posso estar.

            Com a idade chego ao entendimento que por vezes o caminho feito sozinho é mais liso e confortável, sem solavancos desnecessários.

            No entanto como ser interligado anseio a conexão, mas não vendo a minha alma por essa conexão.

            Estou presente no mundo, sou visível, por isso quem quiser vir que venha, quem quiser ousar conhecer-me que ouse, mas não pretendam fingir que me conhecem, sou mais que o meu corpo, mais que a minha profissão, mais que a minha visão política, mais que o meu dinheiro, mais que os meus gostos, quem vier por bem será sempre bem-vindo ao meu jardim.

            Que venha esse amor paciente, esse amor que acrescenta.

            Não sou perfeito nem ouso fingir que o sou, mas sei que o caminho que me trouxe aqui custou suor e sangue, lágrimas e risos, dor… Por isso não renego em momento algum a troco de nada as minhas crenças, esse caminho solitário que é só meu. Não me peçam para ser quem nunca poderei ser, não sou expetativa de ninguém, não sou uma lista de supermercado para suprir vontades alheias.

            Nada tenho e nada me falta, sou guerreiro destemido na defesa da minha alma, um recetáculo de conhecimento que guardo como escudo à minha existência.

            Os confortos estéreis do mundo não são mais que uma ilusão, uma fantasia, mas não os confundo com a imaginação, com o fervor que coloco na minha poesia, ela em si é a minha companhia.

            E olho em frente para o céu, mesmo que seja grato pela terra que me sustenta sou feito de asas e de sonhos, fui feito para voar.

            Portanto imagino, imagino-te meu amor, contigo em mim e juntos como um todo, sem medo de correntes feitas de lodo, que este mundo atira com vil despudor, porque no fim do dia, é por ti e só por ti que vivo, minha flor, meu coração cheio de amor e um beijo sonhado que incendeia o desejo.

            Aqui estou nas asas do sonho à espera do presente, mesmo que dos meus braços estejas ausente, sei que há uma razão, dar valor à solidão para descobrir o divino significado da paixão.

            Três vezes dou e por três recebo, que a minha demanda continue pura, que os meus gestos sejam conforto e simpatia, que a minha empatia seja fogo perene para aquecer o teu corpo, pois somos unos com o Universo e com as almas no mundo disperso.

            Amo, sonho, imagino, leio, sou.

            Como eterno peregrino acolho a esperança nesta eterna dança de vida e morte.

            Sem perder o norte, sigo sorrindo.

 

Bruno Carvalho

quarta-feira, 5 de março de 2025

MIL E UM MEDOS

              


 

                Somos todos uns adictos a sofrimento.

                Pode parecer uma afirmação meio radical e agressiva, mas exploremos este assunto.

            O nosso nível de apego a coisas e momentos, a objetos dentro da nossa consciência é infinito, apegamo-nos aos picos, altos ou baixos da nossa vida, sendo os baixos maus e a estes damos uma importância extrema, aos picos altos e bons porque neste momento são apenas memórias passadas e como as lembramos no presente tornam-se más também porque são momentos que tivemos que agora não temos.

            O nosso ego e a voz interior regem a nossa vida, somos como autómatos a seguir uma voz que é uma ilusão, definimo-nos por tudo e por nada, pelo emprego que temos, pelas coisas que possuímos, pelo que as outras pessoas pensam de nós, pelas expetativas que colocam em nós e que nós mesmos colocamos nos outros.

            Estamos reféns de mil e uma coisa que tentam captar a nossa atenção que nem nos apercebemos que estamos dormentes e em piloto automático, os estímulos são tantos que deixamos de sentir, e o que é mais importante do que o momento presente? Nada.

            Existimos em incontáveis pequenos momentos de tempo que nem conseguimos compreender, mas ficamos com a perceção que somos de certa forma eternos, vivendo nos altos e baixos das memórias passadas, ou afogados nos pensamentos de futuro que apenas são reais para aí um porcento do que realmente serão.

            Estamos viciados em objetivos quando a felicidade real acontece no processo, renegamos o processo e com ele o momento presente, tentamos afastar de nós o sofrimento que a realidade nos impõe e com isso não aceitamos o que é, aqui e agora.

            A nosso eu, é ilusório, é impossível de existir, porque se estamos a pensar conscientemente quem é que existe para ter consciência que estamos a pensar, se tudo existe na consciência não pode haver um espetador passivo da nossa experiência, o que nos identifica e torna ilusórios é os pensamentos, nem é bem os pensamentos em si, pois é impossível detê-los, é a forma como nos identificamos com eles.

            Como o eu é ilusório também o livre arbítrio o é, pois mesmo que temos possibilidade de escolha esta não é livre, depende da nossa biologia, das causas e efeitos das ações dos outros, dependem do ambiente social e cultural que nos envolve. Não dá para escolher porque não sabemos que pensamento vem a seguir, logo a escolha nunca é livre.

            Quando perdemos a sensação de existir como uma identidade fora da realidade, numa perspetiva dualista da existência, separados do que acontece agora e não aceitamos o que acontece a cada momento, ficamos perdidos, zangados, deprimidos, ressentidos, feridos, o ego adora fazer-nos sentir miseráveis pois ele coloca-nos no centro da realidade e a verdade é que não e existe centro nenhum, é tudo uma ilusão.

            A nossa consciência não está dentro da nossa mente, é exterior a ela, logo a voz que nos sussurra ao ouvido e que dá valor a tudo o que somos ou não somos é apenas um reflexo, como num espelho o reflexo não define o espelho, logo os nossos pensamentos nunca poderão determinar a nossa identidade.

            O que somos então? Somos um sistema consciente não dualista que tem um corpo e uma mente e uma consciência que abarca tudo, somos o resultado de milhares de anos de evolução, somos feitos de átomos de matéria, a mesma matéria que permeia o Universo, somos um ser que contra todas as possibilidades fecundou um óvulo e nasceu, muitos outros nunca aqui chegaram. A mesma matéria que nos forma pode já ter existido em outros grandes homens e mulheres do passado, porque no fim, voltamos ao pó ao mesmo pó que nos formou.

            Se nos sentarmos à beira de uma estrada movimentada percebemos que não somos o centro de nada, se pensarmos que dentro de cada carro ou outro veículo está uma pessoa que nem sequer está consciente que existimos, que não faz ideia das nossas batalhas ou vitórias, faz-nos perceber que somos apenas mais um ser a navegar neste mundo.

            O sol não se move à nossa volta. Também podemos olhar o céu e ver as nuvens passarem, ou à beira de um rio e ver a água passar, nunca são as mesmas nuvens nem a mesma água, se observarmos a natureza percebemos que não somos centro de nada, os sistemas naturais acontecem independentemente de existirmos ou não.

            Somos medo, tudo em nós tresanda a medo. Todas as nossas ações são movidas pelo medo.

            Quantas vezes em vez de repousarmos na consciência relaxada da existência criamos novos medos?

            Por exemplo, quando amamos alguém e sabemos que queremos estar com essa pessoa o que fazemos? Vários processos mentais entram na equação, nenhum deles é baseado no presente, no que existe, na realidade, podemos para ajudar a entender o que fazer, realizar o exercício do que é a pior coisa que pode acontecer, vejamos, o pior que pode acontecer é, agarrarmo-nos a memórias passadas, a traumas, ao que sofremos em processos idênticos, lá está mais uma dose de sofrimento para afagar a nossa ilusão de ser. Podemos estabelecer expetativas tão irreais para como deve ser o futuro e como os outros devem ser, e mais uma vez o sofrimento surge, e o ego, gosta tanto disto.

            Ao fazermos isso e em vez de vivermos o presente e aproveitarmos os momentos com as pessoas que gostamos, deixamos que elas se escapem e depois? Depois mais sofrimento porque perdemos uma oportunidade.

            O problema é que não aceitamos a impermanência das coisas, das relações da nossa condição, há apenas duas coisas certas na vida, a mudança e a morte, e ambas são naturais. Ao projetarmos nas pessoas presentes julgamentos de pessoas passadas ou futuras deixamos de ser felizes.

            Logo mil e um medos fazem-nos ser adictos a sofrimento.

            Medo de perda, medo de dor, medo de infelicidade, medo da morte, medo de perder a identidade ilusória, medo de nos perdermos e ficarmos assustados porque não temos propósito ou significado.

            E teremos? Essa busca incessante por significado e propósito ainda traz mais sofrimento e traz vazio e temos medo mais uma vez do vazio e de ser irrelevantes, mas não somos isso? Todos irrelevantes para o grande esquema das coisas?

            O mundo e o Universo continuarão a existir sem mim, vi isso quando perdi alguém querido, o tempo e a vida continuaram, a minha mãe nunca foi minha, foi alguém que tive uma relação interpessoal durante 46 anos mais o tempo no útero, mas agora deixou de existir, não tenho o direito de a manter aqui para egoisticamente me sentir miserável ou mais confortável, ela não me pertencia, tenho de largar, de deixar ir. Voltou ao pó ao mesmo pó que também eu um dia irei. Não sei quando irei e é esse sentido de impermanência que me faz viver, é o medo da morte que nos faz viver, e onde a vida acontece? Aqui e agora.

            Qualquer que seja o objeto mental ou físico que nos apegamos, seja uma obra de arte, uma música ou uma memória, não é mais que algo que nos faz sentir como se fossemos espetadores por detrás da nossa cara, passamos a espetadores num teatro quando deveríamos ser os atores do mesmo, distanciamo-nos da experiência e assim criamos sofrimento.

            O que é positivo ou negativo é subjetivo, logo todas as nossas ações ou pensamentos são subjetivos e ilusórios, pois não existem no vácuo, existem nas interações com o mundo externo que se tomarmos real atenção é o mesmo que o interior, não há separação nem dualismo.

            Há paradoxos filosóficos que fazem algum sentido, mas há um entre muitos que mais uma vez o medo e logo o sofrimento não faz sentido algum. Voltemos ao exemplo de amarmos alguém mas evitarmos por tudo que falei não estar com essa pessoa no processo de crescimento e de vida, depois queixamos-mos da falta de afeto, da solidão, de sermos uma ilha, ora se escolhemos com base no medo algo não nos podemos queixar a seguir que ninguém nos liga e estamos sós e miseráveis.

            A solidão tem os seus méritos e é num caminho solitário que eventualmente chegaremos a um espaço de iluminação que nunca será final, mas que será o mais próximo a que chegaremos, mesmo acompanhados haverá momentos para caminhar sozinhos e se assim escolhermos, mais uma vez sem livre arbítrio mas apenas porque é o resultado do momento, que assim seja, mas não nos queixemos depois do outro tipo de solidão, aquele que pela força do medo negamos, quando amamos e somos amados mas negamos a nós mesmos o amor presente, que é o único que existe, o para sempre não existe e haverá ou não sempre sofrimento, a questão é que é natural e deve ser aceite esse sofrimento, a vida não são só momentos bons, mas todos os momentos mesmo os maus nos fazem crescer e nenhum deles nos mata, e mesmo que matasse é apenas o percurso natural da vida. Deixar de existir. Não há nada a temer se vivermos o presente.

            O Universo é demasiado grande e imensuravelmente vasto para a nossa mente humana o influenciar, por isso a Humanidade criou a religião e o culto porque sejamos honestos, sem o sentido que há algo de sobrenatural a nossa existência torna-se insignificante e isso assusta-nos, todos queremos ter um impacto qualquer, mesmo que esse impacto seja insignificante no grande esquema das coisas.

            Há um espaço e há uma prática que nos pode libertar, a meditação ou a atenção plena (mindfulness) traz-nos essa verdadeira liberdade, a liberdade do eu, podemos chegar a um estado separado do ego, mais uma vez não é uma forma de erradicar pensamentos, é apercebermo-nos deles, vê-los a surgir e a desaparecer como são, sem julgamentos e sem nos identificarmos com eles.

            Tudo já existe, não precisamos acrescentar nada.

            A consciência é a única coisa que não pode ser ilusão.

            Ao meditarmos não estamos a acrescentar nada à nossa experiência, deve ser algo natural, não há dogmas em que acreditar, não há estados transcendentes, é apenas ter atenção ao que surge e aceitarmos como é realmente sem nos apegarmos. Tudo já existe como é e independentemente de nós. Também podemos alcançar esse estado de forma menos natural ao tomarmos drogas alucinogénias e se tivermos sorte de termos uma experiência agradável, mas isto deve ficar ao à consideração de cada um e devemos entender que como outras coisas é só uma porta e dura apenas um momento, como tal teríamos de andar sempre sob influência e sabemos que o abuso de drogas não é bom, logo a outra alternativa é mais saudável e chama-se meditação.

            Uma nova corrente nasce, o realismo espiritual, ou a espiritualidade sem religião, esta segue muitas das tradições budistas e parece o sistema mais interessante de viver uma vida plena.

            Há milénios que no oriente já se sabe isto, mas a cegueira ocidental e o pretensiosismo sempre a renegaram para o obscurantismo, como o ser humano pode ser tão cego e inconsciente é admirável

            Ficar a ruminar pensamentos e acreditar na voz interior incessante é como estarmos a sonhar acordados, a meditação faz-nos acordar.

            Deixo aqui no fim uma analogia como a nossa mente pode ser enganadora. A sensação que sentimos por vezes a fazer exercício físico é um bocado dolorosa, mas a nossa mente dá um significado bom porque é algo que identificamos como bom, viver com esse desconforto diariamente seria impossível, mas se essa dor surgir fora do exercício o que a mente nos diz? Que possivelmente temos uma doença má e que temos de fazer exame e um infinito chorrilho de pensamentos maus.

            Se aceitarmos uma dor ou um prazer como sendo neutro e sendo o que ele é, apercebemo-nos que são ambas as situações justificáveis de sentir, no final a dor pode nem ser doença nenhuma, só com exames se verá e no momento não o podemos fazer, mais uma vez, devemos concentrar-nos no processo e não no resultado.

            Tentei fazer isto com este texto, mais que o mostrar e publicar, o processo durou mais de uma semana e fui acrescentando e apagando coisas conforme a minha experiência com a meditação se foi alterando e foi muito bom viver cada dia da criação do mesmo.

            Nada de transcendental eu escrevi aqui e com isto não digo que seja superior a ninguém, escrevo na terceira pessoa e incluo-me na totalidade do ser humano.

 

Bruno Carvalho

domingo, 2 de março de 2025

EM CADA



 Em cada olhar uma canção

Em cada palavra uma oração

Em cada gesto uma bênção

Em cada abraço uma razão.

 

Em cada flor uma cor

Em cada ramo um amor

Em cada fruto um novo sabor

Em cada raiz uma força e calor.

 

Em cada beijo um sonho bom

Em cada poema um dom

Em cada sopro um som.

 

Bruno Carvalho

MOMENTO

Nem a sombra da manhã fugindo Nem o céu que derrama lágrimas angelicais Nem a tarde que se faz fogo, furiosamente rugindo Nem a noite ...

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