segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

ESTAMOS DOENTES


 


            Estamos todos doentes.

            Adictos a pensamentos, criando histórias do nada, viciados em conceitos, criamos uma persona que é mera ilusão, alimentamos um ego que nos quer ver isolados e constantemente descontentes, com raiva e bastante ofendidos por tudo e por nada.

            Criamos uma identidade que pensa por alguma razão que é isolada, que existe por si, e ficamos cegos ao facto que somos a parte de um todo e não uma parte independente do nada.

            Estamos tão distraídos perdidos nessa teia infindável de histórias criadas a partir de pensamentos que nem reparamos na coisa que nos mantém vivos, a nossa respiração.

            Quem já meditou ou praticou mindfulness certamente teve a experiência de dirigir a atenção para a respiração, isto significa que fora da meditação estamos tão embrenhados na nossa versão ilusória da realidade que nos passa despercebido que respiramos o ar que vem de fora e expiramos ar que vem de dentro para fora, logo não existimos como seres independentes e isolados, somos parte do todo que é a consciência.

            Assim como conceptualizamos uma árvore não o fazemos tendo em mente que a mesma sem o solo, água e luz solar não pode ser uma árvore e não existe, mais uma prova de como estamos tão distraídos nos nossos conceitos e julgamentos que não percebemos que nada existe isoladamente, somos partes de um sistema bem maior.

            O nosso Ser verdadeiro é vazio, não existe, este vazio não é, no entanto, ausência de tudo, bem pelo contrário e é um dos mais belos paradoxos, não somos nada, mas somos tudo ao mesmo tempo, indistinguíveis do tecido da realidade, somos não dualistas, não existe observador e objeto, sujeito e verbo, são tudo conceitos para conseguirmos navegar no mundo, mas servem apenas para isso, não como identidade.

            Somos feitos de pequenos pedaços de ser que servem consoante o contexto em que nos encontramos no momento presente, somos familiares no contexto de família, trabalhadores no contexto económico, amigos no contexto social, e por aí fora, mas nada destes pequenos “ser” são quem somos. Nem o nome, nem o que temos, nem o que fizemos, nem o dizemos, nem as conquistas nem as derrotas.

            O ego mantém-nos reféns da nossa verdadeira natureza, e a ele agrada que estamos em constante sofrimento, fazemos uma violência a nós mesmos que é algo inconcebível como conseguimos sobreviver e viver desta forma.

            O ego gosta mesmo de se sentir ofendido e está sempre pronto a nos defendermos, por alguma razão temos de ter sempre um objetivo, temos sempre algo que precisa ser solucionado, parece que se nos permitirmos apenas a estar e a ser, sem qualquer julgamento ou sem tentar resolver nada ficamos perdidos e sem propósito.

            A vida acontece independentemente de nós, o mundo não é e nunca será como queremos que seja, quanto mais aceitarmos isso menos dói, andamos obcecados por atingir certos momentos altos, porque só o fazendo parecemos realizados, se eu estiver num estado x então finalmente serei feliz, quando recebemos um prémio por algo que nos esfolámos por fazer no momento seguinte estamos novamente descontentes e à procura de outro momento alto e por aí adiante, estamos adictos a momentos altos que nos trazem apenas insatisfação, ora não é isto que alguém adicto a uma substância faz? Busca incessante por momentos altos? Então somos mesmo isso adictos perdidos em pensamentos.

            Tentamos nos restruturar sem perceber que é um processo e nunca haverá um patamar final de reestruturação, somos um processo em constante evolução até à morte, à custa disso vivemos como fossemos imortais, mas tudo é impermanente, tudo está em movimento e em mudança, a pessoa que fui ontem não é a pessoa que sou hoje.

            Estejamos apenas abertos ao que já existe, não há necessidade de procurar nada mais, de acrescentar nada, não há nada de transcendental que precise ser encontrado, se achamos que já estamos iluminados é porque na realidade nem um pouco estamos.

            As coisas são como são e pronto, há pessoas que ficarão doentes outras não, há pessoa que serão ricas outras não, há pessoas que parecem ter sorte outras não, nenhum de nós é o centro do mundo, se o meu vizinho está doente certamente eu poderei ficar também, o mundo não se molda a mim, o ego adora achar que não tenho sorte nenhum e isto e aquilo, é tudo ruído mental sem qualquer utilidade.

            Somos como atores de teatro com um infinito número de papéis, criamos peças de teatro durante a vida toda, uns são comédias outras tragédias, nem sempre a vida é confortável e indolor, mas negar a existência da dor adormecendo com pensamentos o que é verdadeiro não nos fará mais felizes, é tudo ilusão menos a Consciência.

            Tiramos o nosso valor de conceitos, a nossa identidade, não somos nada, mas somos tudo se nos permitirmos a viver abertos ao que já existe.

 

Bruno Carvalho

Janeiro 2025

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

NÃO TEMOS TEMPO

 


Já tinha a minha certeza que isto de termos tempo era no seu cerne uma ilusão, mas a vida tem sempre o poder de nos dar novas lições sobre o assunto e nos abrir novas perspetivas.

            Se estamos à espera de um qualquer hipotético estado mental para sentirmos, para amarmos, para rirmos, para vivermos, certamente ficaremos eternamente descontentes e presos na contínua ilusão que num futuro completamente incerto e fora do nosso controlo, teremos tempo para fazer, e sentir, e ir.

            Os mil e um se, que nos surgem a toda a hora são armadilhas, mentiras que dizemos a nós próprios para nos conferir algum conforto, se eu tiver mais dinheiro então serei feliz, se eu curar todos os traumas então poderei amar finalmente, se eu for mais magro então sim posso ser aceite, se eu for mais saudável então sim serei feliz, mas a realidade e a verdade é inconsciente das nossas birras emocionais, tanto se e depois atingindo o tal objetivo que só existe na nossa cabeça, aí sim poderemos ser finalmente felizes e estaremos completos.

            Que pura burrice, que vãs fantasias que contamos a nós mesmos nas noites mal dormidas onde corremos toda a linha da nossa história até agora e nos arrependemos de não termos feito ou aquilo, sempre com a ilusão que teremos tempo para concertar e para agir de forma diferente, mas não temos.

            Tudo está fora do controlo, mas todos juramos a pés juntos que temos todo o controlo do mundo sobre a nossas mãos, podemos escolher o destino quando ele já está traçado e foi traçado durante todos os momentos até este presente.

            Dou por mim a pensar que poderia ter dito aquilo que sentia, em vários momentos, mas não disse porque pensava que precisava de estar num certo patamar emocional e físico para sentir, o medo de sentir sempre foi maior do que o medo de avançar, que louco fui, mas quando a doçura do sentimento de impermanência que paira sobre os meus ombros dá sinal, aí, aí não há mais tempo a perder.

            Sejamos honestos connosco mesmos, mesmo que não o sejamos com os outros, ser fiel ao que sentimos é o único compromisso que devemos ter, e abafarmos a vã vaidade da aura do ego que nos cega, certamente podemos dizer o que honestamente sentimos, por alguém, por uma situação, por um presente que está ao nosso alcance, mas que varremos para debaixo do tapete do futuro.

            Das minhas muitas lições de vida, mais uma vez depois de mias uma volta em redor do sol, mas uma lição, e esta sei eu que todas as vãs tentativas para acreditar que tinha tempo se varreram, e o que fica? Fica uma sensação de liberdade de poder dizer finalmente e honestamente para mim o que sinto, e não me interessa bem se o que sinto é de alguma forma retribuído ou não, interessa é eu viver agora, enquanto a tempestade não se torna tão difícil de navegar que me faça perder a felicidade de pode sentir sem nada que me adormeça tudo de bom e tudo de mau.

            Eu tenho em mim a honestidade e a clareza de saber o que sinto, por isso que eu ame sem medo, pois o medo foi o que me colocou aqui à beira deste precipício, não que vá saltar, mas não fugirei da brisa que me banha o rosto e que me varre as lágrimas de contentamento.

            Podemos esconder-nos e ter mil uma racionalização ou podemos deixar ir tudo, desapego total, morte do ego, e deixar fluir, deixar que o amor flua conforme é suposto fluir, livremente monte abaixo como um riacho que alegremente percorre a montanha rumo ao mar.

            Se formos honestos saberemos que nunca estaremos completamente reestruturados, pois atingimos um nível para depois perceber que afinal há mais dez acima e continuaremos descontentes.

            A felicidade é o processo e a viagem, nunca será o objetivo ou um ponto alto, nunca estará no fim da estrada, está no caminho, está nos passos que damos e nas pessoas que nos rodeiam, a solidão parece inebriante às vezes, mas tudo que é exagerado é mau, e por vezes escolher estar só é apenas mais uma fuga à realidade, como qualquer outra coisa banal que nos faz fugir.

            Não há tempo, não temos tempo.

 

Bruno Carvalho

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

CONSEQUÊNCIAS

     


        

       Todas as nossas decisões das quais somos sempre responsáveis, têm de consequências, sejam boas ou más, influenciem outros diretamente ou apenas a nós próprios, embora esta última hipótese acaba sempre por não ser apenas nós próprios.

            Mesmo aquelas decisões que tomamos inconscientes no possível bem ou mal, simples atos que fazemos inadvertidamente e sem pensar.

            Como lidar com as consequências? Bem esse é o ponto que como seres responsáveis temos de aprender a lidar e a tirar as ilações que mais que mais nos servem para o crescimento.

            Se tomo uma decisão errada por exemplo o modo como aceito as consequências tem dois modos, ou fico com o sentimento de culpa embrenhado em mim para a vida toda, mesmo que a vida toda seja apenas vinte e quatro horas ou reajo e retiro delas o positivo, uma oportunidade de crescimento uma lição para que da próxima vez possa fazer diferente.

            O mesmo acontece com uma boa decisão com consequências positivas, não devo de todo entrar em modo eufórico e embandeirar em arco o conseguido, mas colocar alguma razão e aperceber-me que a vida é mutável que o que hoje pode parecer uma vitória, amanhã poderá ter outro efeito e aquele prazer instantâneo desaparece, é preciso consolidar uma vitória e também aprender com ela.

            Como somos um coletivo de almas num Universo vasto e infindável, interligados e conscientes uns dos outros temos responsabilidade com essas outras almas ligadas a nós, se virmos isto de um ponto de vista espiritual, conectando ao Divino, fora e dentro de nós, apercebemo-nos que algo muito maior que a nossa compreensão Humana está em movimento e que não controlamos qualquer resultado, logo tudo o que acontece aconteceria, qualquer que fosse a decisão, como disse temos é de apanhar a matéria dela resultante e moldá-la ao nosso modo de vida, aquele que achamos correto, sempre com Amor, compaixão, respeito e gratidão.

            Por vezes fujo um pouco à responsabilidade das decisões tomadas sem pensar, ignorando que estas realizam um efeito dominó que vai resultar numa consequência, boa ou má, mas nestas também não vem a lição que se calhar devo estar mais atento a tudo o que faço? Em vez de atuar por impulso em busca de um qualquer prazer momentâneo, porque não contar até dez buscar, buscar a melhor atitude a tomar e concretizá-la, juntar todos os fatos em vez de a fazer irracionalmente pensando que é inocente. Como disse, estamos todos interligados e logo essa pequena decisão que parece insignificante pode tomar proporções alarmantes na vida de outros.

            Mesmo que por vezes pense que não fiz nada de errado e que a reação à mesma seja totalmente responsabilidade do outro, na minha visão espiritual assim não é, eu sou corresponsável, nas decisões assim como na criação da realidade que me envolve, mesmo que por vezes pareça que pessoas tóxicas e mal intencionadas pareçam aparecer do nada, é firme convicção que entraram na minha vida devido a qualquer ação por mais pequena e quântica que tenha feito, por isso, eu sou responsável.

            Viver é o um ato complicado por vezes e quando enfrento a mudança, tendo sempre manter-me na minha zona de conforto, mesmo que essa seja dolorosa, ao menos é conhecida, é uma dor há muito conhecida, e por isso às vezes perco muito, porque simplesmente me acomodei e não tive fé em dar um passo no escuro e arriscar, no entanto esta postura é simplesmente colocar mais pedras na mochila que já carrego. É-me mais fácil pensar que nada nunca irá mudar, atenção à perigosidade da palavra nunca no nosso discurso, do que simplesmente tentar viver, se correr mal, certamente tenho de estar disposto com as ferramentas que possuo de tentar tirar ilações positivas de situações más.

            Reaprender a viver depois de um longo período de mal-estar é ainda mais complicado, todas as ideias incutidas e gravadas no cérebro após longos anos de abusos, causa uma confusão mental inexplicável, estou solto das correntes, mas mantenho-me preso como elas ainda me envolvessem.

            No momento chamado agora tenho que entregar, aceitar e confiar no processo e tenho que estar acima de tudo grato por tudo que tenho agora. Sempre com o Amor presente no coração e atuando de acordo com ele, mesmo que haja falhas, há sempre momentos para redenção.

 

Bruno Carvalho

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A LONGA ESTRADA

           


     

    É incrível a resiliência que temos para nos levantar após cada golpe que o passado e pela culpa que nos foi obrigada a ser engolida ao longo dos anos.

            É incrível como se abrirmos mão da nossa pretensa perfeição, possamos ver tão claramente e permitirmo-nos a ser simples humanos, aceitando-nos como somos, agora, neste momento, sem ter de dar nome ou forma aos pensamentos castradores que ouvimos a cada minuto.

            É incrível como um grupo de pessoas que caminha numa estrada consegue reaver uma outra que se perdeu no lamaçal ao lado da mesma, todos numa corrente de mãos dadas, todos sorrindo, mesmo que as nossas lágrimas caiam, são eles que nos dão a força de secar essas lágrimas, acreditar, limpar o pó e seguir em frente, com todo o amor e sem pedir nada em troca.

            É incrível como nos podemos amar como somos, ser pacientes, perdoarmo-nos, experimentar novas experiências apesar de tudo que por muito tempo nos fizeram acreditar.

            A força reside no amor, e o amor por nós próprios é o catalisador para todo o amor que nos rodeia.

            A vida é uma viagem feita por vinte e quatro horas de cada vez, nessas vinte e quatro horas, há minutos, segundos, pequenos momentos de felicidade que por vezes não damos importância, mas são os mais importantes do dia.

            O ego prende-nos com correntes malignas, mas basta sermos um minuto por dia humildes para rebentar com essas correntes e respirarmos a serenidade e harmonia que são a nossa verdadeira natureza.

            Com gratidão por uma mão estendida, sorrimos crentes que o sorriso perante nós é puro e verdadeiro. Porque quem sorri é alguém que caminhou nos nossos sapatos, que também esfolou os joelhos, que chorou à beira da estrada. Tudo o que damos retorna a nós, que seja isso a força motriz para fazer o bem.

            O universo irá recompensar-nos se soubermos esperar e acreditarmos que tudo que tiver que ser nosso será, basta reprogramar a mente, apagar com uma borracha a pretensa insignificância da nossa existência, é altura de abrir os olhos, tudo que nos querem obrigar a fazer basta dizer não!

            E assim, com paciência para as nossas crises existenciais e aceitação de que elas apenas são reais neste momento e não nos definem, caminhemos juntos, a lama das calças irá secar e o esplendor de uma mochila sem rochas irá fazer-nos correr de braços abertos sem nenhum destino, pois já estamos onde queremos estar.

            Que assim seja!

 

Bruno Carvalho

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

IMPERMANÊNCIA

 


Um dia, alegria, riso, amizade, presença. No seguinte, silêncio, tristeza e lágrimas.

            Vivemos num estado de impermanência constante e nem sequer nos damos conta disso.

            Parece que tomamos o futuro como certo e com um facto adquirido e esquecemo-nos que a vida acontece agora, neste momento.

            De que vale todas as invejas, toda a ganância, todo o egoísmo, toda a pressa, quando temos a morte à distância de um suspiro?

            Porque nos queixamos tanto em vez de estar gratos pelo que temos mesmo que seja pouco?

            Porque teimamos em poupar palavras de afeto, de dar abraços, de beijar, de cantar e amar, quando nada nos pertence nesta vida e tudo que foi dado pode ser retirado?

            Não estamos no controlo das coisas e não há problema nenhum, deixemos ir o que não nos faz falta, deixemos todos os momentos mesquinhos que o ego nos impõe e vivamos, aqui e agora, no momento presente que é um presente.

            Que nos vale vivermos constantemente para agradar os outros, negando o que somos, quando o silêncio apaga a alegria de um sorriso?

            Agarramo-nos à matéria como se ela fosse a salvação do espírito e afastamos o espírito sobre a falsa definição de ilusão, quando não é na matéria que reside a salvação, é no que não é tangível.

            Corremos apressadamente atrás de tudo que brilha e não reparamos que estamos a um passo apenas do túmulo.

            Somos um sopro de impermanência, mas na nossa vã loucura julgamo-nos imortais, quando o casulo for levado pela Deusa Mãe só o espírito permanecerá.

            Somos todos impermanentes, por isso tentemos estar mais presentes, por nós, pelos outros pelo mundo.

            O silêncio deu lugar ao silêncio, é tempo de refletir, mas acima de tudo de viver e de estar gratos pelo que temos e somos, agora é o momento!

            Nas asas do espírito abracemos a nossa natureza que somos todos parte de um mesmo todo, a morte relembra-nos da importância do que é mesmo importante, por isso estejamos atentos, sejamos a nossa melhor versão, certamente a Consciência do Mundo notará e se moldará às pequenas transformações interiores.

            E lembremos quem já se foi, que largou o casulo da carne e é agora um espírito, que voa livremente nos dias e nas noites que contemplamos com tanta devoção.

            O momento é agora, nada há mais além deste minuto e deste sopro que nos abraça tão apaixonadamente.

domingo, 12 de janeiro de 2025

ESPÍRITO SELVAGEM



Em puro arrebatamento consumi a tua aura
Como se ela me trouxesse a paz desejada
Enrolado na tua madrugada, mergulhei em água purificada
E o meu espírito fundiu-se, rendendo-se à tua pureza.
 
E a alma em mim reconheceu a alma em ti
Como se todo este presente já tivesse sido um outro presente
Onde os nossos corpos se entrelaçaram
Entregando-se aos espíritos livres dos bosques.
 
De beijo em beijo, abracei a tua condição selvagem
Sem a querer prender libertei-a na brisa matinal
De noite recolhi de volta ao meu ser
E nunca nenhuma palavra foi proferida.
 
Existir apenas nunca foi opção, ser foi sempre o propósito
Pois não somos sombras invisíveis nascidos para estar presos
Somos luz na noite bela e irreverente
Fomos inspiração de poetas e a memória nunca será apagada.
 
Nos teus olhos, espelhos da minha frágil condição
Fui arrancado da sombria e vasta insignificância
Deste-me um sentido e ambos fomos revelados
Seremos relevantes apenas um para o outro
O mundo não entenderá.
 
A passagem de um cisne sagrado e selvagem
Pelo lago gelado de um fim de Inverno
Abre a porta ao sol e à energia vital
A terra acolhe-nos, somos semente de um novo mundo.
 
 E o dia virá, unos e divinos
E as sementes florescerão e do rude solo de pedra
Rosas de um vermelho sangue marcarão
O ponto onde duas almas se reencontraram.

 

Bruno Carvalho

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

SONHOS


Alimento-me dos sonhos, alimento-te de poesia

Os dias passam breves e ligeiros, sem pressa

Por entre beijos e abraços feitos de maresia

O sol adormece clamo e sereno e por entre sorrisos a lua regressa.

 

Danço solto, livre de vergonha ou constrangimento

Sou sonhador feito de versos e rimas musicais

Guardo em mim todas as cores, todos os motivos do nosso contentamento

Deixo à porta os medos e as inseguranças temporais.

 

Armado de pena e pincel pinto o teu olhar

A tela infinita de um lago vestido de meia noite

Faço-me artista, mas nada mais sou que uma onda no mar

Vou de tempestade em tempestade guiado pelo teu canto.

 

E naufrago na margem sem fim do teu amor

Energizado pelo brilho suave do nosso eterno luar

Afasto de mim qualquer medo ou dor

Que sejas tudo em mim, terra, fogo água e ar.

 

E que dance eu contigo nos meus braços

Livre das amarras deste mundo que aos poucos morre

Deixo-me ir rumo ao berço intangível das estrelas

Que elas me abençoem com a doçura do teu beijo.

 

Bruno Carvalho

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

AMANHECER EM TI


As minhas noites passam-se entre murmúrios

E recordações fugazes de momentos incertos

Em espaço vazio, lamento o desperdiçar do tempo

À espera do terno amanhecer em ti

 

A janela aberta, a solidão entra sorrateira

Ciente do destino frágil da carne

Um desejo invisível que arde na pele

Um desejo moribundo marcado nos lençóis

 

As minhas noites fazem-se de lamentos inquietos

A Voz clamada em franco desespero

Um grito sufocado por anos de esquecimento

Preciso de despertar, de renascer em ti

 

O meu amor, a minha consolação despejada no vazio

Agarro-me à última luz de um dia que demorou a passar

Volta agora o sonho, a esperança descarnada

Amanhece em ti a miragem do meu corpo.

 

Bruno Carvalho

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

ALMAS

            


 O tempo parou num momento infinito, um ciclo eterno de um fluxo de consciência, de olhos abertos, sob um pináculo de basalto, olhei do outro lado do espelho, a outra dimensão do ser.

            Senti um fluxo de energia preencher-me quando senti o teu toque incorpóreo no meu rosto, os teus lábios feitos de poesia incutida numa consciência da tua essência de luz.

            Olhei o topo da esfera, onde o sol espalhava o seu brilho e abri asas, o reflexo da tua luz faziam-nas carvão incandescente, deste um passo, não que visse, mas de certeza que o senti.

            A tua força, as tuas feridas saradas, cicatrizes da alma totalmente curadas e preencheste o meu coração com essa tua energia universal, e nele a minha fundiu-se na tua, e naquele momento sagrado, selámos o presente com um beijo demorado.

            Entrelaçando os dedos numa roseira brava, senti os espinhos rasgarem a pele, enquanto o sangue fluía para o chão e era consumido pela terra, e daquelas gotas nasciam novas roseiras, estas sem espinhos, deste um sopro e estas desabrocharam, as pétalas voaram formando um círculo no ar que me envolveu.

            Nesse momento soube o que era o amor, muito mais que uma palavra ou um sentimento de contentamento imediato, mais que um sentimento de êxtase ou uma injeção de embriaguez.

            O tempo parado dava significado ao que a empatia havia cimentado e ambos os sentimentos se fundiram, tomaste a tua forma humana e abriste as tuas asas brancas e eu com as minhas negras abracei-te e no abraço os nossos corpos possuíram um ao outro, e tudo em volta explodiu num mundo de cor.

            Abri os olhos e fixei o céu azul, senti os teus dedos nos meus, olhei de lado e vi-te sorrir para mim, tudo em volta era familiar, havíamos voltado da nossa viagem astral, e o relógio andou um segundo, e retomou o seu ritmo normal.

            A suavidade da relva a conexão à terra e a ti formava um círculo de êxtase, de certa forma eramos um, mas com duas partes diferentes, que não se completavam, mas que se pertenciam, cada um com as suas forças e fraquezas, numa sopa cósmica de possibilidades.

            Os problemas de certo não desapareceriam, mas tínhamos as ferramentas e tínhamos os nossos espíritos unidos, e quando as almas eclodiam ao mesmo tempo que os nossos corpos se fundiam, estrelas novas eram criadas no céu.

            Fiquei em silêncio não há muitas mais palavras que consigam descrever-te e ao que sinto, talvez o silêncio diga mais do que as palavras, através do olhar, do sorriso, do toque.

            Partilhemos a paz que o momento presente sempre nos dará, e o que vier virá, que as nossas almas não sejam infetadas com o egoísmo da expetativa e do querer algo que não temos em vez de apreciar e agradecer o que temos agora.

            De certo o mundo é cruel, mas almas antigas conhecem-se sempre, talvez noutra vida vivemos as mesmas cenas em paisagens diferentes, mas o sentimento ficou como resíduo, algo que o tempo jamais lavará.

            É preferível acreditar no que é real do que imaginar o que poderá nunca acontecer.

 

 

Bruno Carvalho

domingo, 5 de janeiro de 2025

SOBRE A ILUSÃO DO SER


    
                O ego e a identificação com o Ser ilusório é a fonte de toda a infelicidade humana. Se considerarmos que somos o nosso nome, a nossa profissão, o que temos, como parecemos perceberemos rapidamente de onde vem o nosso sentimento de constante insatisfação.

            O Ser, portanto, não é mais que uma entidade ilusória e limitante criada por pensamentos, em vez de ter o papel puramente funcional para navegar neste mundo, agarramo-nos às ideias do que somos, assim sendo evidentemente que ficamos ofendidos, tristes, revoltados, amados, ignorados entre tantos outros sentimentos e emoções, o ego necessita disso para se proteger e nos dar o sentimento de separação com o resto da experiência, tornamo-nos o centro da experiência, o centro do mundo.

            Mas nem todos os estados do ser são ilusórios, o que devemos ter em conta é a confusão mental que é os nossos pensamentos e como eles surgem, vemos com frequência que estamos perdidos em pensamentos e completamente distraídos do presente, esta condição de não estar ciente do pensamento é que nos retira a paz do momento presente, através da meditação ou mindfulness (atenção plena) temos tendência então com âncora ou não na respiração perceber os pensamentos e identifica-los como tal e deixar ir, percebemos depois virá um seguinte que não sabemos de todo qual e é esse o valor da meditação, não é acrescentar nada, não é transcender nada, é apenas acordar ou entrar em contacto com o que já existe.

            Se não há ser não há nada para transcender, e o nosso tão querido livre arbítrio que o ego gosta tanto passa também a ilusão, embora tenhamos poder de escolher essa escolha não é de todo livre, para o ser teríamos inevitavelmente saber qual o próximo pensamento e ter o resultado final de todas as possibilidades, o que escolhemos e decidimos advém de fatores externos, fisiológicos, ambientais e mentais, são ações e reações entre toda a experiência que engloba tudo na realidade.

            Não somos fins, somos processos por isso algumas funções do ser são úteis na relação com os outros, o nosso nome por exemplo é um conjunto de letras que faz um determinado som e serve para isso mesmo, para interações com outros e com o ambiente em si. É como uma personagem num filme, o ator não é a personagem, a personagem só serve para o filme.

            Então o que é isto de que existe sempre sem nunca ser ilusão?

            Chama-se consciência e ninguém nem a ciência nem muito menos a religião sabe o que é e de onde vem e como é formada, a ciência porque o seu estudo ainda não resultou em nenhuma evidência que seja irrefutável, a religião porque todas elas são diferentes com diferentes princípios e cada uma acha que é mais real que a outra que não pode ser o pilar fundamental, ou em outras palavras, deus ou deuses e deusas, esses conceitos estão eles mesmo incluídos na experiência da consciência.

            Se nos sentarmos e ficarmos em contemplação do momento presente, focados na experiência de cor, luz e sombra que é o nosso campo visual e de repente tentarmos observar quem está a observar o que que encontramos?

            Se a sua resposta foi, “não dá para encontrar”, estará no caminho certo, como poderemos encontrar o que não existe?

            A ideia que estamos dentro da cabeça e por detrás das pálpebras dos nossos olhos dissolve-se um pouco quando imaginamos por exemplo que o nosso cérebro estava no lugar do fígado, os processos poderiam ser iguais no corpo humano e se fossem chegaríamos à conclusão que o nosso ser estava no fígado. Percebem? Temos um cérebro é certo, mas também temos um estômago e não estamos constantemente cientes que o temos, só quando cumpre a sua função.

            Assim o cérebro tem uma função, e a função não é dar-nos identificação, é tipo um computador, e a consciência é o software.

            Nem mesmo o reflexo da face que vemos num espelho é real e certamente não somos nós, como nunca me vi com os meus olhos não sei se não é apenas uma ilusão, a superfície refletiva do espelho não nos diz nada sobre o espelho em si, vemos uma bom exemplo da ilusão do ser mesmo num reflexo quando por exemplo um animal que se vê ao espelho julga que está a olhar para outro animal diferente no reflexo, apenas os humanos têm esta capacidade de se iludir e identificar com o ego, um gato não se identifica como gato, logo o reflexo só pode ser outro gato ou seu conceito de animal da sua espécie que não sabemos porque cada ser tem uma noção de realidade diferente.

            O mesmo certamente acontecerá se mostrarmos a alguém que nunca se olhou ao espelho o seu reflexo num, certamente essa pessoa não se reconhecerá no reflexo.

            Assim como a superfície do espelho não nos diz nada sobre o espelho em si, isto é, de que é constituído, átomos e moléculas e etc., também nós somos como um espelho onde a superfície que reflete são a ilusão do ser, é onde ficam espelhadas as emoções, sentimentos e pensamentos, mas nada disto nos diz nada sobre o todo, somos espelhos, refletindo ilusões.

            Uma experiência que se pode fazer é olhar para um vidro que seja bastante refletor, veremos que a maioria das vezes nem reparamos que estamos refletidos nele, estamos a olhar para lá do vidro.

            A consciência está sempre aberta e mesmo quando em meditação fechamos os olhos veremos que o nosso campo visual não desaparece, aparecem sempre algumas sombras, mudanças de luminosidade, objetos diversos, ora se estamos cientes disso com os olhos fechados, como poderemos ser quem está por detrás das pálpebras?

            Somos nada e somos tudo ao mesmo tempo, é um paradoxo bonito que faz todo o sentido.

            Ora isto não retira como é evidentemente importância a pensamentos pois eles são necessários, não são é todos necessários e muito menos servem como identificadores,

            A mente está constantemente a tentar resolver problemas que ela mesma cria, problemas que nem existem, parece que somos viciados em resolver coisas e a colocar rótulos em tudo.

            Uma árvore não é mais que um conceito, se a nossa língua não for portuguesa árvore nem existe, e ao vermos uma notamos logo que aplicamos logo mil uns adjetivos à mesma.

            Não existe dualidade observador/objeto, tudo é consciência não dualista se estivermos conscientes do presente, ou da nossa perceção humana de presente pois nada no universo acontece ao mesmo tempo logo o presente em si nem existe, apenas existe porque só percecionamos até segundos na nossa experiência humana, mas se subdividirmos o tempo mais torna-se claro que o tempo não para logo nada existe em simultâneo.

            Vou deixar de lado a questão da mecânica quântica pois para já não sou especialista e depois parece que ela é usada agora para tudo que é espiritualidade e para provas de existência de deus, só porque parece rentável, a verdade é que ninguém está de acordo com nada nesse campo e a teoria que a consciência quebra a onda quântica já foi desmistificada como criadora da realidade, pois se a consciência não está em nós como podemos colapsar o quer que seja, teria de haver outra consciência a colapsar a nossa e por aí adiante ad internam.

            Se consideramos o presente à escala humana entendemos facilmente que nada existe além deste momento e existe sem interferência nossa, apenas é, memórias do passado são pensamentos presentes, objetivos futuros são pensamentos presentes, só existimos no presente logo tudo é presente o resto é ilusão.

            Logo não somos o centro de nada, as coisas acontecem sem nossa interferência, vejamos um exemplo, se nos sentarmos à beira de uma estrada movimentada perceberemos que quem passa de carro passa inconsciente que sequer estamos ali, estarmos ali ou não para eles é indiferente, logo não somos o centro de nada, para isso teriam de toda a gente e todas as coisas estarem sempre cientes que existimos, não somos apenas uma parte da experiência como um todo, da experiência da consciência.

            Até o contacto ocular entre estranhos dura apenas momentos logo somos apenas isso, momentos céleres no mundo de alguém. Em que nos é mais próximo esse efeito aumenta, mas também não estamos sempre no seu campo de visão, se o seu pensamento estiver focado numa tarefa nem sequer parece existirmos.

            É científico que o cérebro não consegue fazer mais de duas coisas bem, sendo que uma delas é pensar as outras são o que fazemos diariamente e se tentarmos pensar e fazer duas coisas diferentes ao mesmo tempo veremos que só uma fica mais bem feita.

            Meditação e mindfulness não é ausência de pensamentos, isso é impossível, aliás quem faz e nota que está a pensar é porque está a fazer bem, se ficar perdido em pensamentos como o pensamento de “estou a pensar logo estou a fazer isto mal” está adormecido.

            Andar acordado perdido em pensamentos é como estar a dormir e a sonhar, apenas os sonhos são pensamentos um bocado mais nítidos enquanto que acordados os pensamentos são mais confusos. Nisto não incluo os chamados sonhos lúcidos por isso são experiências diferentes que não têm a ver com o assunto.

            Se estivermos presentes em todos os momentos veremos que o sofrimento se atenua, as expetativas desaparecem e sabemos bem como as expetativas nos fazem sofrer, ao realizarmos uma ação devemos largar a expetativa de qualquer resultado pois nada está sob nosso controlo logo temos de entregar o resultado e será o que será.

            Entreguemo-nos ao sentimento de impermanência e isto implica aceitar que um dia vamos morrer e não sabemos o que há além disso. Tudo é impermanente, isso devia-nos dar uma ideia que os pensamentos são mesmo coisas ilusórias que o ego gosta tanto.

            Somos nada e tudo ao mesmo tempo.

 Bruno Carvalho

Jan 2025

MOMENTO

Nem a sombra da manhã fugindo Nem o céu que derrama lágrimas angelicais Nem a tarde que se faz fogo, furiosamente rugindo Nem a noite ...

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